Thursday, June 17, 2010

Tríptico Marxista

Na rua.





Trabalho realizado para o Festival Parede 2010.





Fotos da exposição em breve.

Monday, March 22, 2010

Alguma coisa acontece no meu coração



Passando pela cidade de São Paulo semana passada, pude constatar uma situação paradoxal.

Quando imagino São Paulo, vem logo a imagem da metrópole cheia, trânsito, carros, poluição, trabalho, estresse, correria. Isso poderia causar a brutalização das pessoas, gerando uma atitude rude. Mas não é isso que eu sinto quando chego lá. Percebo as pessoas gentis, cordiais e bem educadas. Sempre com um “bom dia”, “com licença”, “por favor”, “obrigado”. Mesmo no trânsito caótico não se sente um desrespeito ao outro. As linhas seletivas realmente são seletivas, os ônibus não cruzam as pistas como se fossem motos de corrida. Existe um respeito cívico entre os cidadãos, mesmo com todas as dificuldades apresentadas pela malha urbana.

Diante desta constatação, não posso deixar de pensar na minha cidade, o Rio de Janeiro.

A cidade maravilhosa, linda por natureza, cantada em verso e prosa pelos mais fantásticos poetas. Por que será que aqui, neste cenário privilegiado, onde mesmo um engarrafamento pode proporcionar uma bela vista para alguma praia ou montanha, as pessoas estão tão embrutecidas? Sinto uma falta total de cordialidade nas ruas e no convívio. As pessoas não têm mais a percepção do outro, onde termina o seu domínio e começa o do outro. A noção de espaço público, de civismo. É como se os princípios básicos de educação tivessem sido perdidos.

Fico me perguntando como podemos ter recebido o título de cidade mais feliz do mundo… De que mundo?

Pensando nisso tudo, lembrei do projeto que desenvolvi para o concurso Interferências Urbanas, que aconteceu aqui no Rio em 2008. Meu projeto não foi selecionado, mas resolvi publicá-lo aqui para fazer esta ideia circular.







— Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema.


















Prêmio Interferências Urbanas 2008

Título: É uma festa filosófica essa festa da Glória!1

Objetivo:

Realizar interferência urbana em três módulos no largo onde se encontra o monumento em homenagem ao escritor, jornalista e político José de Alencar. O monumento está localizado entre as ruas do Catete, Barão do Flamengo, Senador Vergueiro e Marquês de Abrantes. A instalação busca redimensionar a homenagem ao cidadão brasileiro de um tempo em que a cortesia e a cordialidade eram importantes para a relação entre os homens. Os módulos não só chamarão a atenção do pedestre, como também servirão para desautomatizar a percepção destes, levando-os à reflexão.

Conceito:
Os módulos serão construídos sobre uma estrutura triangular, sendo os temas da base (1 e 2) opostos entre si, e o terceiro (3) servindo como vértice.
Serão utilizados trechos da obra de José de Alencar para composição das imagens de cada ambiente.

Temas / palavras-chave:

módulo 1. perfumes delicados2 - a busca da utopia
- o ideal, o belo, o prazer -

módulo 2. impuras exalações3 - o choque com a realidade
- a violência, o lixo, a falta de civismo -

módulo 3. o poeta é o cidadão do belo e da arte4 - da elaboração à ação
- o homem, o pensamento, a sociedade -

1, 2 e 3. Fragmentos do romance Lucíola, 1862.
4. Fragmento da carta de José de Alencar a Machado de Assis, 1868.









Justificativa:

Escolha do local próximo ao monumento a José de Alencar onde há um grande fluxo de pedestres. O autor teve uma relação importante com o bairro, onde se hospedou muitas vezes e escolheu como cenário de alguns de seus romances. José de Alencar foi uma personagem importante na cultura e na política brasileira; nacionalista e democrata que acreditava no Brasil. Divulgou suas idéias através da literatura, do teatro, da imprensa e da política. Homem de um tempo onde a palavra era muito importante na relação entre os homens e a cordialidade fazia parte desta troca.

Observando-se a vida na cidade, percebe-se a falta de civismo nos dias de hoje. Com o crescimento do sistema capitalista, a relação entre as pessoas se tornou cada vez mais difícil pela competição, pela superficialidade e pelo desconhecimento de um com relação ao outro. A falta de cordialidade se tornou uma constante, ninguem se cumprimenta mais, nem pede lincença nem por favor. A partir deste quadro de violência urbana, caracterizado pela falta de relações básicas e fundamentais responsáveis pela desordem urbana, justifica-se a discussão e a elaboração de temas que podem intervir no cotidiano e no ambiente urbano:
• ecologia urbana - as cidades e os homens fazem parte do ecosistema;
• tratamento do lixo;
• ocupação da via pública;
• respeito ao espaço coletivo;
• manutenção da via pública limpa;
• economia de água e energia elétrica;
• cordialidade entre cidadãos.

Estes questionamentos são básicos e podem gerar pequenas ações importantes, feitas por cada um individualmente. É claro que falta muito para que a população tenha uma vida mais digna, itens como educação, saúde e segurança. Mas o que podemos fazer individualmente, independente do poder público, para transformar o mundo? A mínima ação faz diferença no macro, se analisarmos uma esquina, uma rua, um bairro, uma cidade e assim por diante. Neste sentido justifica-se a interferência urbana É uma festa filisófica esta festa da Glória! com a intenção de desautomatizar a percepção do público e gerar uma reflexão a cerca da sua relação com a cidade e com as pessoas.





Esta localização já sofreu grandes transformações na história da cidade. Aqui existia uma lagoa decorrente da formação do rio Catete como afluente do rio Carioca. Onde encontra-se hoje o monumento a José de Alencar havia uma ponte construída por Antonio Salema. O local conhecido inicialmente como Largo do Salema, foi, ao longo do tempo, mudando de nome, Largo da Ponte do Catete, Largo do Catete, Praça Ferreira Viana, até que em 1897, teve seu nome trocado para Praça José de Alencar, com a inauguração do monumento ao romancista, obra de Bernardelli. As pontes eram substituídas por novas até que, no início do século XX, Pereira Passos promoveu a canalização do rio Carioca. O Bairro sempre foi palco de grande efervescência cultural e política. Muitos artistas como Di Cavalcanti, Portinari, Machado de Assis e Carmem Miranda tiveram seus ateliers ou moraram no Catete.



Descrição detalhada:



módulo 1. perfumes delicados - a busca da utopia

• Local: esquina entre a Rua do Catete e a Rua Barão do Flamengo.
• Painel de lona vinílica impresso em plotagem colorida.
• Limpeza da esquina e plantação de flores nas jardineiras instaladas nos canos de proteção da calçada.



Referências:
• grafismo indígena (Lux Vidal, Grafismo indigena: Estudos de antropologia estética, Editora da USP, 2000)
• flora brasileira (desenhos de José Joaquim Freire e Joaquim José Codina século XVIII - Biblioteca Nacional, Brasil)
• fragmentos do texto de José de Alencar retirados de romances de caráter urbano e indianista, com o objetivo de abordar a mistura de raças na origem da sociedade brasileira e o convívio nas grandes cidades. (O Demônio Familiar, 1857; A Viuvinha, 1857; Iracema, 1865.)

Iracema (1865)

— Quebras comigo a flecha da paz?
— Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema.

— Veio bem. E Tupã que traz o hóspede à cabana de Araquém.

— Bem-vindo sejas. O estrangeiro é senhor na cabana de Araquém.
— Pajé, eu te agradeço o agasalho que me deste. Logo que o sol nascer, deixarei tua cabana e teus campos aonde vim perdido; mas não devo deixá-los sem dizer-te quem é o guerreiro, que fizeste amigo.

O Demônio Familiar (1857)

— Mana Carlotinha, Henriqueta está lhe chamando para dizer-lhe adeus.
— Não precisa, minha senhora, eu me retiro já; mas antes desejava ter a honra de...
— Obrigado; não desejo incomodá-la.

— Ah, é verso! E V.Mce. não sabe fazer verso?

— Por isso podes vir conversar quando quiseres, sem a menor cerimônia; estaremos em perfeita liberdade escolástica.
— Obrigado, hei de aparecer. Ah! tens as tuas paisagens signées Lacroix?


A Viuvinha (1857)

— Ao contrário, julgo que dá um passo acertado; e é com prazer que aceito o convite que me fez de assistir a ele.
— Obrigado! disse o moço, apertando a mão de seu companheiro com efusão.

— Obrigado, por quê? O que fiz vale a pena de agradecer? Ora, adeus!... Vem jantar comigo.

— Não, acompanho-te até lá; mas preciso estar às quatro horas em minha casa.

— Posso contar contigo?

— Como sempre.

— Obrigado.




módulo 2. impuras exalações - o choque com a realidade



• Local: esquina das ruas Senador Vergueiro e Marquês de Abrantes.
• Revestimento da base de pedra do poste de luz com painéis feitos com material reciclado. Ex.: sacos de supermercado, papelão, copos e garrafas de plástico. Imagens de fezes deixadas na via pública serão instaladas na calçada.
• 3 faixas de plástico e jornal penduradas no poste caindo sobre a calçada com a aplicação em stencil do fragmento da carta escrita por José de Alencar a Machado de Assis.
• Limpeza da base do poste após retirada da instalação.

Referências:
• lixo urbano,
• fezes na via pública,
• fragmento da carta escrita a Machado de Assis
em 18 de fevereiro de 1868.

Fragmento da carta de José de Alencar a Machado de Assis.
Tijuca (Rio de Janeiro), 18 de fevereiro de 1868.

Não se admire de assimilar eu o cidadão e o poeta, duas entidades que no espírito de muitos andam inteiramente desencontradas. O cidadão é o poeta do direito e da justiça; o poeta é o cidadão do belo e da arte.



módulo 3. o poeta é o cidadão do belo e da arte - da elaboração à ação



• Local: cruzamento entre as ruas do Catete, Marquês de Abrantes, Senador Vergueiro e Barão do Flamengo.
• Limpeza da estátua e sua base.
• Adesivação do fragmento do romance Lucíola em vinil recortado sobre o monumento a José de Alencar.

Referências:
• fragmento do romance Lucíola, 1862

Todas as raças, desde o caucasiano sem mescla até o africano puro; todas as posições, desde as ilustrações da política, da fortuna ou do talento, até o proletário humilde e desconhecido; todas as profissões, desde o banqueiro até o mendigo; finalmente, todos os tipos grotescos da sociedade brasileira, desde a arrogante nulidade até a vil lisonja, desfilaram em face de mim, roçando a seda e a casimira pela baeta ou pelo algodão, misturando os perfumes delicados às impuras exalações, o fumo aromático do havana as acres baforadas do cigarro de palha. — É uma festa filosófica essa festa da Glória!


Detalhamento de montagem:

módulo 1. perfumes delicados - a busca da utopia



Painel formato 34x2,50 m, material lona vinílica impressa em plotagem colorida, acabamento com ilhós.
O painel será fixado usando amarração com cabos de nylon cruzado por trás do muro de metal.
A montagem deste módulo prevê limpeza e plantio nas jardineiras instaladas nos canos de proteção da calçada em frente ao muro.


módulo 2. impuras exalações - o choque com a realidade

A. Painéis montados com material aproveitado do lixo para criar revestimento da base do poste.
Materiais utilizados: sacos plásticos, papelão, embalagem longa-vida, garrafa pet, jornal, embalagens plásticas, tinta, cola e corda.
Fixação com cabos de nylon e cola de farinha sobre as faces da base do poste.

B. 3 Faixas formato 30 x 1000 cm, material plástico com texto aplicado em stencil.
Fixação: no poste; amarração com cabo de nylon,
na calçada; peso de concreto.

C. A desmontagem deste módulo inclui a lavagem da calçada e da base de mármore do poste.



módulo 3. o poeta é o cidadão do belo e da arte - da elaboração à ação


A. Limpeza da estátua.

B. Aplicação de texto em vinil recorte colorido (4m2).

C. Retirada do vinil e limpeza.


Porque José de Alencar?

Os acontecimentos geraram a criação. Eu já tinha elaborado o conceito entre os opostos, onde haveria a utopia com seu jardim de cordialidade utilizando expressões como “bom dia” e “com licença” junto com imagens de flores, em oposição à realidade bruta, utilizando lixo urbano e fotografias de fezes deixadas na via pública.

Analisando o mapa fornecido pela organização do prêmio escolhi o cruzamento entre as ruas do Catete, Barão do Flamengo, Senador Vergueiro e Marquês de Abrantes por ser um ponto de muito fluxo de pedestres e carros, e também por ser um local onde eu passo todos os dias no caminho de casa para o trabalho.

Quando fui fazer o levantamento do local descobri que ali encontrava-se o monumento a José de Alencar. Reafirmando o modo de vida contemporâneo onde as pessoas vivem correndo e não conseguem observar o que está a sua volta, eu nunca tinha reparado o ilustre senhor sentado em sua cadeira todo o tempo.

A partir desta descoberta não pude ignorar sua presença. Comecei a busca sobre o autor, seus romances, sua postura política nacionalista e contra o imperialismo. Um cidadão de um tempo onde a cordialidade, que eu queria resgatar no painel da utopia, era natural entre as pessoas.

A utilização de fragmentos de textos de José de Alencar foi inevitável pois tudo se encaixou perfeitamente num gesto natural e espontâneo.

Espero que esta instalação possa servir para aguçar o olhar de quem passa, como serviu para mim o ato de observar a cidade, abrindo uma grande janela de possibilidades e conhecimento, troca e elaboração.

Imagens ilustrativas











Thursday, March 11, 2010

Barroco Tropical



Os livros são os melhores amigos do homem.

Já ouvi isso de diversas pessoas. Podem ser melhores amigos, amantes, pais, mães, professores, relacionamentos certos e seguros. Eles nunca te abandonam, nem te traem.

Partindo desta premissa me tranquilizei, então estou salva. Se possuo um bom livro nunca me sentirei sozinha. Uff, que alívio!

Comecei a ler um romance do escritor angolano José Eduardo Agualusa, Barroco Tropical. Uma beleza de trama, cheia de personagens instigantes, com amor, música, cultura, África, mistério, traição, política. Uma história densa que me envolveu durante dias deliciosos e aflitos pela sua complexidade.

Realmente me senti preenchida e completa enquanto essas personagens estiveram comigo. Então estabelecia-se um relacionamento estável. Algumas páginas por dia, uma boa companhia para a cama antes de dormir, para as tardes de fim de semana. Que maravilha!

Fiquei uma semana sem ler para digerir alguns acontecimentos. Nossa! O que será que vai acontecer? Como Bartolomeu vai se safar? Não acredito que Kianda está fazendo isso com Barbara Dulce!

Conforme a parte mais grossa do livro ia passando da minha mão direita para a minha mão esquerda, a angustia foi surgindo.

Ontem não consegui parar e li, li, li até de madrugada. Quando faltavam poucas páginas para o fim do livro tive que parar. Não queria que acabasse. Não, não pode acabar hoje, tem que sobrar alguma coisa para amanhã!

Hoje trabalhei bastante, mas com aquele espectro rondando minha cabeça. No meio da tarde não resisti e li as páginas que faltavam.

Aí me deparei com a verdade. Tenho que estar sozinha novamente. Me sentindo abandonada pelo livro que terminou. Como fazer pra resolver esta dor de cotovelo? Que fossa! Parece que um namorado acabou de me deixar… Vou colocar uma música bem triste pra curtir meu vazio, e só consigo pensar, tinha que ser um disco da Kianda. Diante desta impossibilidade, acho melhor ouvir Billie Holiday.



São as máximas da vida, sigo com os aforismos que podem resolver situações difíceis.

Nada melhor que um novo amor, para curar um coração partido.

Qual será o próximo livro?

Wednesday, November 25, 2009

A viagem



Inicia-se uma viagem incrível, por lugares nunca percorridos.

Novidades da vida por viver.

A partida é a dois, de mãos dadas, como num longo abraço, sem nós nem amarras, um enlace natural espontâneo, como uma bonequinha Abayomi.






Passam pelos corpos dos viajantes paisagens deslumbrantes, com montanhas cheias de neve branca, brilhando ao sol que ilumina praias de areia igualmente branca e fina, cidades espantosas organizadas dentro de seu próprio caos, florestas densas cortadas por rios vivos e apressados, nuvens de chuva, templos ancestrais, arte por todos os cantos, estruturas sensacionais desenvolvidas pelo homem respeitando as forças da natureza.

Uma perspectiva de quem observa o mundo em um voo pelas histórias que encontra pela frente, pelo lado, por trás, por cima e por baixo.

Compartilhar sensações num mergulho no desconhecido, um balé aquático onde os bailarinos e seus espíritos flutuam em sintonia, sustentando-se mutuamente.






A viagem é de vida e de morte, cada dia uma pedra, um prato de comida, um perfume, uma desventura, uma aventura.

Partimos voando num tapete mágico que pode alcançar qualquer altura, desde as estrelas até as profundezas mais escuras dos oceanos. Virando peixes, e sereias, e leões, e cachorros, e flores, e carne, e sangue e vida.

Navegação: descrição, organização, elaboração e estruturação dos planos de voo, as metas são sempre móveis, o ponto de chegada não é definido.

Ideias na cabeça e chinelo nos pés.

Próxima parada? Onde o amor nos levar.

Monday, September 21, 2009

Chove. Que fiz eu da vida?







Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim...
De pensada, mal vivida...
Triste de quem é assim!

Numa angústia sem remédio
Tenho febre na alma, e, ao ser,
Tenho saudade, entre o tédio,
Só do que nunca quis ter...

Quem eu pudera ter sido,
Que é dele? Entre ódios pequenos
De mim, estou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!

F.Pessoa, 23-10-1931

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Francis Bacon
Three Studies for Crucifixion 1, 2 e 3 - 1962